domingo, 28 de fevereiro de 2010

Ana Mendina: Entrevista Ana Mendina por Ellen Krohn

Ana Mendina: Entrevista Ana Mendina por Ellen Krohn

Entrevista Ana Mendina por Ellen Krohn

Como aconteceu a fusão de sua arte plástica com os motivos indígenas?




Acho que o fato de ter crescido em Roraima, tão perto de várias culturas indígenas e contato com a natureza tenha influenciado no nascimento do meu trabalho e então o casamento foi natural e o interesse pelo o assunto foi crescendo com o tempo. Quando tinha 18 anos fui morar na Australia onde estudei Artes plásticas e tive a oportunidade de conhecer mais de perto a arte primitiva e iconográfica aborígene e fiquei encantada com a riqueza artística daqueles povos, assim como a cultura dos maoris da Nova Zelândia. Foi então que comecei a pesquisar sobre as etnias indígenas brasileiras, em especial as da Amazônia e todo seu tesouro artístico, antropológico e iconográfico que são fontes inesgotáveis de pesquisa e inspiração essenciais em meu trabalho.



Como você percebe seu trabalho frente à inspiração indígena?



A celebração da vida na Floresta manifestada através da arte e da cultura indígena brasileira e mundial me fascina. A beleza do artesanato indígena e da linguagem iconográfica. Assim como as crenças e mistérios da sabedoria milenar dos povos da floresta, ajudam na preservação da conexão entre o homem, a natureza e o espírito. A Arte indígena é muito rica em conhecimento ancestral, que deve ser respeitado e preservado para que as futuras gerações possam manter viva sua cultura. Todo esse universo tem sido fonte inesgotável de inspiração e tento fazer da arte um veículo pelo qual as diversas culturas indígenas possam ser conhecidas e apreciadas. Os povos da floresta precisam de reconhecimento e respeito e de parceiros não-índios que os ajudem a preservar sua cultura. A arte pode ser um instrumento valioso nessa caminhada, registrando e fortalecendo sua história. Isso tudo constrói o propósito da minha arte. A estética antropológica da floresta e seus povos, junto às várias formas de arte, reveladas em pura inspiração.



Como foi seu contato com a arte Yanomami, Wai Wai e Macuxi?



Sou fascinada por artesanato indígena e desde o início da minha pesquisa de criação venho coletando artesanato indígena de Roraima, e através dele é possível observar algumas nuances da arte indígena como iconografia, cores, texturas e simbologia. A partir daí começa o processo de estudo das minhas criações. Também tive a honra de conhecer algumas comunidades indígenas e seus representantes e sempre que posso compro o artesanato diretamente com a comunidade, o que torna a peça ainda mais especial. O artesanato Wai Wai é muito rico em cores e iconografias, e delicadamente produzido pelas mãos talentosas desse povo. Os macuxis com suas peculiares e autênticas panelas de barro e lindos trabalhos tramados em fibras, artesanato que hoje mais sofre com a influência da arte dos brancos pela proximidade das comunidades com a cidade e de terem sidos os mais prejudicados com a colonização do estado de Roraima a tempos atrás.

Os yanomami, em especial tem sido de grande inspiração e fonte de conhecimento, foi com muita honra que conheci o líder e xamã Yanomami Davi Kopenawa que gentilmente aceitou minha humilde homenagem prestada à sua cultura na exposição “Pra sempre Amazônia” que aconteceu em julho desse ano na cidade de Boa Vista e foram especialmente convidados a apresentar seu artesanato, música e dança e a nomear os 23 quadros que produzi na língua Yanomami, interpretados e traduzidos do yanomami para o português pelo professor Dario Vitorio Kopenawa Yanomami, tornando as obras ainda mais originais e autênticas. Essa conexão entre Arte, Antropologia e Linguagem, resultou em um amplo trabalho onde pude retratar um pouco da magia da cultura indígena do extremo norte da Amazônia tão pouco conhecida. È também muito importante construir uma relação de respeito com as diversidades culturais indígenas e suas peculiaridades, para que a troca seja justa e duradoura e que possa construir um trabalho que retrate a verdadeira essência de cada etnia indígena. Isso é um pouco da percepção que tenho da arte indígena, devidamente autorizada pela etnia pesquisada e com total acesso ao trabalho artístico produzido pelo artista sobre sua cultura. Roraima é lar de vários povos indígenas que possuem culturas distintas, dentre eles estão os Yanomami com diferentes subgrupos linguísticos (Yanomae,yanomama,Yanomamo, Ninan, Sanöma, Ywari ) .

Assim como os de tronco Karib: Yekuana( Maiongong), Taurepang(Pemon), Macuxi, Monoiko, Patamona, Ingaricó, Wai Wai, Waimiri Atroari, além de outros grupos que são pouco conhecidos ou quase extintos como os Jarikuna e os Sapara. Ainda existem outros grupos que são isolados como os Hixkanana e os Farakaiuna. Um riquíssimo legado cultural, artístico, histórico e antropológico da Amazônia.



Como foi a concepção da exposição no Memorial dos Povos Indígenas?



Durante uma visita ao Memorial fiquei feliz com a coincidência de que o renomado arquiteto Niemayer ter usado como referência e inspiração a “oca Yanomami” na concepção de sua obra. Percebi então que seria uma boa oportunidade para trazer a exposição “Pra Sempre Amazônia” para o Memorial.

Então entramos em contato com a direção mandando uma carta apresentando a proposta da exposição que foi recebida com muito carinho pelo Memorial. É de extrema importância para a cultura indígena brasileira que artistas de várias áreas possam ajudar no fortalecimento dessa causa tão importante para todos.

E o convite então se estendeu a Davi Kopenawa que compareceu a abertura da exposição, representando seu povo, assim como o artesão macuxi Terêncio Raposo que expôs sua produção artesanal de panelas de barro ancestrais que realiza junto á sua esposa Lidia Raposo.

Também contou com as participações do fotógrafo Jorge Macedo (ensaio fotográfico Yanomami), a fotógrafa Andrezza Mariot (ensaio fotográfico sobre a produção das panelas de barro macuxi e documentário sobre o mesmo), o escultor Jamaika e o eco designer Irmânio Magalhães, todos com trabalhos realizados sobre a ampla cultura indígena roraimense.







E sobre a fusão de suas telas com objetos indígenas?



Texturas, matéria-prima, cores, formas do artesanato junto a símbolos ancestrais da Iconografia encontrada nos artefatos indígenas, são indispensáveis em meu processo de criação que muitas vezes não passa de uma releitura da arte já existente, nada mais é do que a pura realidade indígena. A interação com a floresta, o xamanismo, tudo isso influencia minha criação, tentando captar e transcrever um pouco da magia da cultura indígena através das artes plásticas.

Nesse trabalho em especial, explorei a visão xamânica e simbólica da iconografia, junto à consciência do homem branco em relação à cultura dos povos da floresta, os animais e a natureza. Para nos lembrar que estamos conectados e todos somos responsáveis pelo bem estar do planeta.



E sobre os outros artistas que você reuniu nessa exposição?



Achei interessante reunir artesões indígenas e outros artistas que tivessem algum trabalho realizado sobre o assunto. Documentário, fotografia, escultura e artesanato indígena complementaram a mostra junto a presença do líder Davi Kopenawa que nos prestigiou com sua energia, representando o povo Yanomami e conhecendo o Memorial. Fiquei muito feliz com o resultado do trabalho.



Houve alguma outra percepção a respeito de seu trabalho e do espaço moderno que constitui o Memorial?



O espaço é fantástico e fomos muito bem recebidos pelo diretor do Memorial Marcos Terena. È muito importante para as sociedades indígenas e não-indígenas que tenham acesso a arte indígena brasileira e todo seu contexto. O Memorial dos Povos Indígenas possui um espaço adequado e mantém um acervo do artesanato indígena de várias partes do Brasil que é muito importante para a preservação da cultura, costumes e historia dos povos da floresta. Espero que o acervo continue crescendo e que o memorial possa continuar promovendo eventos que exponham diferentes visões sobre o assunto. Para que todos possam apreciar as belezas infinitas que os povos da floresta possuem e aprender com eles a fazer do mundo um lugar mais feliz. Acredito que a arte é um instrumento importante e de muita ajuda nesse processo. Parabéns ao Memorial e a toda sua equipe.